Regina Celi Machado
Durante todo o ano de 2011 iremos abordar em seis artigos o passo a passo para a construção de uma igreja. Tomaremos como exemplo uma igreja que será construída em Americana, interior de São Paulo. Avaliamos que este exemplo concreto e completo poderia ser bastante útil aos párocos, equipes de construção e profissionais da área da arquitetura e engenharia. Trata-se de uma igreja paroquial numa cidade de porte médio num bairro de classe média.
Preliminares
A igreja da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Americana será construída em terreno onde uma antiga igreja foi demolida, num processo difícil em que opiniões a favor e contra dividiram a comunidade.
O terreno, praticamente plano, com aproximadamente 1.700 m2 (54 m x 31 m) possui frente para 3 ruas com uma praça bem arborizada na face sul. Em 23 de novembro de 2008 foi enviada a alguns arquitetos uma carta-convite junto com as diretrizes, para participarem do concurso do projeto de arquitetura e projetos complementares para a nova igreja.
No início de abril de 2009 foi assinado o contrato com o projeto vencedor.
Nas diretrizes para a elaboração do projeto o cliente apresentava alguns critérios para o julgamento dos projetos:
– Harmonia das formas e dos símbolos que uma igreja exige;
– Praticidade para as funções litúrgicas e para a locomoção das pessoas;
– Segurança;
– Preocupação ecológica: iluminação e ventilação naturais e presença de vegetação;
– Disposição dos espaços e das salas internas;
– Levar em conta o valor referencial de R$ 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil reais) para a integralidade da obra.
Com o título de Motivação Espiritual foram traçadas, pelo padre e a comissão formada para acompanhar o concurso, as orientações para o desenvolvimento do projeto de arquitetura da igreja:
– Segundo antiquíssima tradição da Igreja, cada templo católico recebe um padroeiro que tem a função de orientar a espiritualidade dos fieis daquele lugar a partir da experiência que o santo ou santa tiveram na sua vida pessoal, mas sempre em relação ao Cristo e ao seu projeto de Vida para todos. Em alguns casos esse título é dado ao patrocínio do próprio Senhor Jesus, que é o caso da nossa paróquia. Assim, para elaborar o projeto do novo templo, devemos levar em conta essa perspectiva espiritual que deverá se refletir na arquitetura e nos espaços sagrados da nova Igreja.
– A base teológica dos textos bíblicos, que são motivadores da espiritualidade do Tabor, está na ideia de que saímos da experiência do cotidiano, que fica na planície, e subimos com Cristo para a experiência do sagrado. No monte somos levados a conhecer Cristo e sua proposta de modo a reconhecer Nele todo o poder e glória de Deus.
A ideia de subir é fundamental para o projeto do novo templo, por isso, é nosso desejo que o projeto contemple as seguintes sugestões, que podem ser aperfeiçoadas ou trocadas por outras, mas não deixadas de lado.
O templo deverá ter três espaços distintos que atuam como aquecimento para o encontro com Deus:
1. O lugar do nosso cotidiano, o espaço para a chegada de quem vem da rotina, espaço que se comunica com a rua, estacionamento, um espaço para reunião antes e depois da liturgia, encontros, descanso, oração e principalmente jardins;
2. O lugar da preparação para o encontro com o sagrado. Já dentro do corpo do templo, num patamar mais alto, é o lugar do atendimento e do acolhimento. Secretaria, sala do padre conjugada com a sacristia, recepção do dízimo, átrio.
3. O corpo da Igreja num patamar mais alto ainda, com a nave, o presbitério, a capela do batismo e a capela do Santíssimo. Uma ideia que tivemos foi de usar o telhado para dar a noção de subida ao monte. As duas capelas (batismo e santíssimo) devem estar logo na entrada do edifício dentro da nave principal. Os vitrais não serão com imagens humanas de santos ou cenas bíblicas, mas sim com formas arrojadas e modernas que inspirem a experiência do divino que não se traduz em entendimento racional.
Atrás do altar, deverão existir duas salas: som e sacristia. Na medida do possível, seria interessante um jardim interno que desse a ideia de estarmos entrando no jardim do Éden ou no alto de um monte. Um processo de reforma e construção pode ser uma benção ou um desastre, dependendo se se apoia sobre conhecimentos teológicos e litúrgicos, pastorais e técnicos ou simplesmente sobre palpites. E se é comunitário, democrático e participativo.
A Paróquia do Senhor Bom Jesus de Americana seguiu de forma organizada todos essas orientações. Montaram uma comissão composta pelo pároco, dois membros do Conselho de Assuntos Econômicos da Paróquia, dois membros do Conselho Pastoral Paroquial e um representante da Diocese de Limeira. Organizaram um concurso de projetos e puderam escolher os profissionais certos para o que queriam construir. Contrataram profissionais especializados para cada uma das etapas do projeto e da obra. E sempre partilharam com transparência à comunidade todas as informações referentes às contas e aos projetos.
A proposta vencedora acrescentou mais um item fundamental para todos que queiram reformar e construir, que é da acessibilidade, possibilitando com rampas, que todos os fiéis tenham acesso a todos os espaços da igreja inclusive às mesas da eucaristia e da palavra. No próximo artigo iremos expor de que forma traduzimos em desenhos as ideias levantadas no edital do concurso, como todo o programa foi cumprido, a legislação local respeitada e, sobretudo, como a liturgia, renovada pelo Concílio Vaticano II guiou este projeto.
“… tenha-se presente que a finalidade da arquitetura sacra é oferecer à Igreja, que celebra os mistérios da fé, especialmente a Eucaristia, o espaço mais idôneo para uma condigna realização da sua ação litúrgica; a natureza do templo cristão define-se precisamente pela ação litúrgica, a qual implica a reunião dos fiéis (ecclesia), que são as pedras vivas do templo.” (Bento XVI)
Regina Céli Machado, arquiteta www.arquitetura-religiosa.arq.br.
Regina Céli Machado é arquiteta sacra e escreve na Revista de Liturgia.
Fonte do Artigo:
MACHADO, Regina. O passo a passo na construção de uma igreja, O sentido teológico da Liturgia. São Paulo, 223, p. 27 a 29, Jan/Fev 2011.
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